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O Teatro Armando Gonzaga é de fundamental importância para o Grupo Negrícia, Poesia e Arte de Crioulo, embora o Negrícia nunca tenha feito qualquer coisa nele. Mas foi no Armando Gonzaga que quatro dos participantes do Negrícia, inclusive três de seus fundadores, tinham participação em grupos culturais suburbanos diferentes, nos anos 70.


Éle Semog participava do Garra Suburbana, grupo que hoje seria chamado de multicultural já que tinha da poesia de periferia, teatro de resistência, musica, dança... Hélio de Assis participava da CAIS, Cooperativa de Artistas Independentes Suburbanos... Togo Yoruba era musico e cartunista do Grupo Quintal Suburbano. Eu, Deley de Acari, participava da montagem, como autor e diretor, da peça Juvenal 105, proibida pela Censura logo no começo dos ensaios e que me “rendeu” dois dias de prisão e tortura na “Boate” da Barão de Mesquita, por violar o artigo 41º da lei de Censura, e todas suas alíneas, que significava ofensas as forças armadas.

Uma montagem do Garra tinha sido proibida, e o grupo proibido de continuar no Teatro Armando Gonzaga. Eu estava sem peça pra montar e, ainda, perdido depois da prisão e tortura. Não sabia muito que fazer e tentei montar a peça Pepeu, Alegria do Povo, de um dos integrantes do Garra Suburbana, Marcos Borges. Helio de Assis lutava pra manter a CAIS na ativa. A montagem da peça de Marcos Borges acabou não dando certo, mas Éle Semog me convidou para um projeto de poesia ligado ao Movimento Black Rio, que também acabou não indo à frente. Em fim, acabamos por nos reencontrar, logo depois do lançamento do livro Ebulição da Escrivatura, em 1978, que reuniu 13 poetas suburbanos, dentre eles Éle Semog e, Salgado Maranhão que depois veio a integrar o Negrícia.

Neste período já trabalhávamos com Togo Yorubá, na Associação de Ex-Alunos da Funabem que funcionava no Rocha, subúrbio do Rio. E, no dia 19 de Abril de 1982, foi então que aconteceu a primeira reunião de formação do Negrícia, na sede do IPCN, na Rua Men de Sá, 208. Desta primeira reunião participaram Éle Semog, Paulo Mauricio Guiné e eu, Deley de Acari. Embora tivessem sido convidados para a mesma, seis outros escritores negros, que vieram a participar das outras duas reuniões que aconteceram então num bar, em frente ao IPCN. Destas outras duas reuniões participaram Helio de Assis, Luis Claudio Lawa, Conceição Evaristo e Hermógenes Almeida.

Pode ser que os fundadores e participantes do Negrícia viessem, de qualquer maneira, a se encontrar mais sedo ou mais tarde, num outro espaço cultural do subúrbio, mas foi no Teatro Armando Gonzaga, em Marechal Hermes.

Naquela época não dávamos importância a um fato inusitado: Marechal Hermes era, e ainda é um bairro militar, com vários quartéis do Exercito, inclusive a então temida Brigada de Pára-quedistas, uma das mais eficientes escolas de tortura da ditadura militar. Mesmo assim o Teatro Armando Gonzaga acabou se tornando, ali no ninho das serpentes, o principal centro de resistência cultural e artística suburbana à ditadura militar.

A ultima trincheira de resistência cultural suburbana armada ali no Teatro Armando Gonzaga, foi o Grupo Panela de Pressão, formado por remanescentes do Garra Suburbana, que já bem no finzinho dos anos 70 recebeu do Governo do Estado do Rio a missão de, em seis meses, administrar e por pra funcionar o teatro, com um detalhe: sem nenhuma grana dos cofres públicos, bem diferente do que acontece hoje, com o projeto de Residência Artística que o Projeto ENTRE esta assumindo agora, com um verba de R$ 320,00 pra tocar o teatro. Vide matéria com as gestoras do ENTRE no jornal de Bairros Zona Norte do O Globo, pagina 10, deste Domingo, 22 de Abril de 2012.

O Grupo Garra Suburbana, outros grupos que atuaram no Teatro Armando Gonzaga nos anos 1970, inclusive, o Panela de Pressão, que recebeu concessão do governo para gerir teatro no finalzinho daquela década, eram formados por artistas e militantes socialistas suburbanos. Por conta disso deram a gestão de suas atividades, um modo de produção cultural socialista, autogestionaria, democrática, direta e participativa. Única forma possível de levar à frente manifestações culturais e artísticas suburbanas, de resistência a ditadura militar, na época. Por isso é com bastante expectativa e curiosidade militante que vejo grupos, ONGs, empresas culturais, assumir com grana pública, a gestão de casas culturais publicas, em tempos de consolidação de um Estado Regional Penal Policial Militar, no Estado do Rio de Janeiro.

Até onde o tal “ACESSO LIVRE AO ARMANDO GONZAGA” , título da matéria, será possível de se levar, das palavras ditas e publicadas numa revista dominical, à realidade duradoura. Três mulheres estarão a frente do projeto ENTRE, que “administrará” burocrática e artisticamente o Armando Gonzaga nos próximos 12 meses.

Parece que as moças estão cheias de boas intenções e boas idéias, e não se tem como duvidar, a priori, de que conseguirão êxito na empreitada, mas da pra duvidar até o livre a acesso propalado ao Teatro Armando Gonzaga, próprio do Estado do Rio, será um livre acesso total de liberdade de expressão e manifestação contra ou, apesar do Estado Policial Penal Civil-Militar comandado hoje no Rio pela dupla Sérgio Cabral e Delegado Beltrame.

O Sarau- Roda de Conversa Negrícia, 30 Anos que estará acontecendo neste dia 28 de Abril, das 15h00 ás 18h00 na sede do GRANES QUILOMBO, em Acari, será uma boa oportunidade de começar um “bate- caixa” sobre esse momentoso tema sobre modos de produção cultural vigentes e hegemônicos hoje em dia na cidade e no Estado. Tão mais oportuno já que do QUILOMBO partiremos para o Sarau Poesia de Esquina, na Cidade de Deus-CDD, favela ocupada por uma UPP, Unidade Pacificadora da PM, principal projeto de consolidação e pretensa perpetuação do Estado Policial Penal Civil Militar Cabralino-Beltramense.

Deley de Acari ,Poeta e Animador Cultural. Co-Fundador do Grupo Negrícia, Poesia e Arte de Crioulo.